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Salvou o Jogo e Agora Dizem Que: A culpa é do Diogo Costa

A culpa é do Diogo Costa
A culpa é do Diogo Costa

A culpa é do Diogo Costa

Diogo Costa conseguiu o que quase todos achavam impossível. Não me refiro aos 3 penáltis defendidos, uma proeza inédita num europeu e uma demonstração de frieza extraordinária que valoriza ainda mais este atleta. Mas tudo isso é fácil quando comparamos com a verdadeira consequência do feito. Antes da decisão, o guarda-redes da seleção conversou com Ricardo, agora treinador de guarda-redes, e decidiu que não precisaria de tirar as luvas para salvar o destino da Associação de Apoio a Cristiano Ronaldo. Para quem não sabe, a entidade designada é aquilo que tem acontecido nesta competição sempre que a seleção portuguesa entra em campo, mas desta vez atingiu-se um novo nível de embaraço patriótico.

Há alguns anos que a principal atividade desta associação consiste em fazer a bola chegar a João Cancelo, Bernardo Silva, ou outro colega encostado numa ala, para que este abdique da sua lucidez e tente mais um cruzamento que acabe milagrosamente entre dois centrais, bola redondinha na cabeça de Cristiano Ronaldo, até que a bola termine no fundo das redes. Só há um problema com esta ideia de jogo, da qual Roberto Martínez continua a padecer: resulta lindamente contra o Liechtenstein e contra o Al-Okhdood, mas revela-se muito pouco eficaz no mundo da alta competição.

Quando a bola não chega às alas, há outra opção. Não resulta desde 2018, num jogo contra a Espanha que serviu para garantir mais meia dúzia de anos de Ronaldo a marcar livres. São agora 60 livres e 1 golo em competições internacionais. Ao longo deste percurso deprimente, têm tentado iludir-nos banhos de estatísticas e recordes para explicar tudo menos o essencial: que esta seleção continua a ter um problema chamado Cristiano Ronaldo. Frente à Eslovénia, esse problema voltou a agravar-se. Depois de uma dezena de livres que só Cristiano Ronaldo podia marcar, ele, o único avançado de 39 anos no futebol mundial que não pode ser substituído, foi chamado novamente para o lance decisivo. Até os mais céticos se convenceram que Ronaldo não falharia o penálti aos 105 minutos, ou não estivéssemos perante a possibilidade de mais um recorde ser batido pelo português, neste caso o de jogador mais velho a marcar um golo numa fase final de um europeu ou lá o que é.

No fundo, trata-se da razão de ser desta seleção conhecida a cada 2 anos pelo epíteto de «melhor geração de sempre do futebol português», mas que por manifesto infortúnio só ganhou um troféu a sério no futebol de seleções seniores. Foi neste exato momento, imbuído deste espírito, que Ronaldo correu para a bola, rematou com a mesma convicção inabalável dos outros quarenta remates que fizera durante a competição, e permitiu a Oblak uma das defesas da noite.

A eliminação começava a ser escrita e, quem sabe, a possibilidade de um país se libertar desta relação tóxica. Como se o falhanço de Ronaldo não fosse um presságio suficientemente forte, poucos minutos depois vimos a carreira de Pepe terminar em pleno relvado, com um falhanço perfeitamente admissível num atleta com 41 anos de idade. Sesko passou o jogo a apostar no insucesso de Pepe e teve finalmente a ocasião de que precisava para pôr fim a este ciclo interminável da seleção portuguesa. Foi então que apareceu Diogo Costa, de forma heróica, para salvar o legado de Pepe. Poucos minutos depois, vieram os penáltis, a noite das noites de Diogo Costa, e a euforia tomou conta de todos e deixou a nação num estado inebriante. Diogo Costa e os colegas agradecem pela oportunidade de salvar o legado do capitão de equipa e estrela do Al Nassr. Em cada rua deste país, os bravos lusitanos prometem aos franceses uma noite de sofrimento na próxima sexta-feira. Voltamos à essência histórica das nossas seleções: esqueçam lá isso do jogo jogado, o importante é irmos passando.

Na conferência de imprensa, Fernando Martínez, ou Roberto Santos, um dos dois, explica de forma assustadoramente convicta que a seleção portuguesa jogou muito bem, aludindo mais uma vez ao péssimo cognome de os apaixonados para qualificar a fraca exibição contra a Eslovénia. Não sei se explicou por que motivo tirou de campo o Vitinha, um dos poucos jogadores desta equipa que se tem apresentado ao nível necessário. Não sei se explicou o fraco rendimento do Bruno Fernandes ou do Bernardo Silva, que continuam a parecer vagamente perdidos em campo, isso ou exaustos, depois de 5000 minutos nos respetivos clubes.

Também não sei se explicou a permanência de Cristiano Ronaldo em campo, mas duvido que conseguisse dar uma justificação plausível. Já achei que Roberto Martínez pensava em todas estas coisas, mas entretanto percebeu-se que a sua verdadeira ideia de jogo é aquele salto de fé que fez do engenheiro Fernando Santos campeão europeu na única ocasião em 100, em que tal desfecho seria possível. Não sei se o selecionador esclareceu estas dúvidas porque entretanto desliguei a tv. Virei-me para as redes sociais. Por um lado, vejo um mundo inteiro, pelo menos a parte que observa a realidade tal como esta é, destratar a seleção portuguesa e aplaudir merecidamente Diogo Costa por uma noite extraordinária. Por outro lado, já em Marte, os erros de Cristiano e Pepe são agora transformados em tratados de autoajuda no Twitter e no Linkedin, a caminho da enésima apropriação do «falhar outra vez, falhar melhor» de Beckett, uma ladainha que por esta altura já devia pagar imposto.

Ronaldo vai à flash interview e diz que marcou o primeiro penálti porque nunca rejeitou as responsabilidades. Encontrou uma forma de virar uma noite desastrosa a seu favor e tornar tudo sobre ele, mais uma vez, porque, veja-se bem, marcou o primeiro penálti. No fundo foi a sua maneira de explicar que vai ser titular contra França, nem que seja de andarilho. Ah, e não se queixem muito. O Mundial de 2026 está quase aí e todos sabemos que Portugal ainda não tem avançados nem defesas centrais.

Ironicamente, a culpa do estado a que chegámos é de todos menos de Diogo Costa, guarda-redes que ontem brilhou para dar a Portugal uma presença nos quartos de final, dando ao seu país uma renovada esperança de que a história de 2016 possa ser revivida. Não consigo partilhar o otimismo, mas tenho a certeza que pelo menos uma parte da história se vai repetir: se houver livres à entrada da área, já sabemos quem os marca.

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